Concretizou-se o meu maior medo: os grupos neonazis voltaram a sentir-se legitimados para agir — e estão a atacar.
No passado dia 10 de junho,o ator Adérito Lopes, da companhia A Barraca,
foi brutalmente agredido por um grupo de extrema-direita. Ficou hospitalizado com ferimentos no rosto e no olho. O corpo fala do que a sociedade se recusa a escutar:
o racismo não está no passado. Está organizado. Está impune. Está entre nós.
Nos anos 90, eu e o meu irmão saíamos à noite com cautela. Éramos adolescentes a tentar viver. Mas havia sempre uma sombra, um aviso dos nossos pais, um medo que se colava à pele como o suor nas pistas de dança. Skinheads. Ódio. E o nome de Alcindo Monteiro —cabo verdiano como nós, com o mesmo apelido da minha mãe —
assassinado por ser negro. Por existir. Quantas vezes a nossa existência continua a ser confundida com provocação?
Passaram-se décadas, mas o eco continua. O meu filho — com olhos de quem sonha e pernas que correm para o futuro — mostrou-me, há dias, uma notícia sobre a seleção sub-17. Tantas vitórias. Tanto orgulho. Mas os comentários? Ácidos. Racistas. Como se as conquistas tivessem cor. Como se o talento precisasse de permissão.
Fico desanimada. Sou feita de fé nas pessoas. Mas também sou mãe. E esta semana, tive de ter novamente “a conversa”. A primeira foi quando ele tinha seis anos. Demasiado novo para sentir o peso de um insulto, mas já velho o suficiente para o entender. Agora, com mais de dezoito, voltámos a falar — desta vez, sobre grupos de extrema-direita. Mostrei-lhe imagens. Pedi-lhe que não andasse sozinho. Ensinei-o a vigiar as esquinas da noite. A não baixar a guarda. A andar com medo — mesmo quando tudo o que ele queria era dançar, rir, ser.
Depois, fiquei a pensar: supostamente — e na altura em que escrevo este desabafo — um dos agressores tem 20 anos. A idade para a qual o meu filho caminha. E pergunto-me: o que correu tão mal? Como é que alguns de nós temos de incutir cautela extrema nos nossos filhos — uma cautela que pode ter um efeito devastador, porque o medo, quando ensinado cedo, não se limita às ruas — extravasa para todas as áreas da vida.
Mata espontaneidade. Rouba descanso. Corrói a alegria.Como é que alguns filhos crescem a viver com medo,e outros a espalhá-lo? Como se ensina o ódio em vez do amor? Como é que o amor ficou pelo caminho? E como se constrói um país onde uma mãe negra não tenha de preparar o filho para sobreviver, mas apenas para viver — com dignidade, liberdade, e a leveza que todos merecem? Seria tão mais fácil — para todos nós — se escolhêssemos o amor.
Mas não é justo. Não é justo que o meu filho não possa simplesmente ser. Não é justo que eu tenha de estar alerta para o alertar. Não é justo. Não é humano. Não é leve.