O segundo Califado estabelecido após a morte do profeta foi governado pela dinastia árabe Umayyad, um proeminente clã da tribo Quraysh, de Meca, na Arábia. Sob a sua controversa e ampla influência, o império islâmico atingiu a sua maior extensão geográfica - conquistando o Magrebe, a Hispânia, a Ásia Central, e partes insondáveis do longo deserto chinês a que hoje chamamos Xinjiang.
O Emirado de Córdoba, estabelecido no ano de 756 e transformado em Califado em 929, tornou-se um centro mundial da ciência, da medicina, da filosofia e da invenção durante a chamada Idade de Ouro Islâmica. Durante os quase trezentos anos seguintes, a Península Ibérica seria uma província multicultural, belicosa, berço de uma poesia adulta e arrojada, de uma metafísica moderna e da álgebra elementar: al-Andalus.
A descoberta da história é um exercício infinito. Aos praticantes estão reservados o espanto e a descrença, a confirmação recorrente de que o presente não é mais do que uma repetição imprecisa da natureza humana e dos seus feitos e feitios: improváveis, sublimes e atrozes.
Entre Córdoba e Praga ficam cerca de 2500 km, e uma rede de tráfico de escravos cujo dinamismo e escala a tornou uma das mais significativas e bem documentadas da Europa medieval, ligando as terras eslavas da Europa Central e Oriental aos mercados islâmicos do sul.
O sucesso do tráfico de escravos de Praga baseou-se em circunstâncias geográficas e políticas únicas: O Ducado da Boémia ocupava uma posição fronteiriça crucial entre a Europa Central crista e as terras eslavas, ainda pagãs a norte e a leste, no actual territorio da Ucrania. Esta localização proporcionava um fácil acesso a populações que tanto a lei cristã como a islâmica consideravam alvos legítimos para a escravização. Ao contrário dos cristãos, que não podiam ser escravizados por outros cristãos segundo o direito canónico, os eslavos pagãos eram vistos como presa fácil para os invasores de escravos que operavam sob a autoridade dos duques boémios.
A instituição da escravatura em al-Andalus operava dentro da estrutura mais ampla da lei islâmica, que fornecia regulamentos específicos para o tratamento, os direitos e a mobilidade social dos escravizados. Ao contrário de muitos outros sistemas esclavagistas, a lei islâmica proibia a escravização de muçulmanos, criando uma procura significativa no mercado por cativos de outras fés.
O sistema esclavagista andaluz era notável pela sua escala e sofisticação. A estrutura jurídica oferecia caminhos claros de ascensão para as mulheres escravizadas através do sistema umm walad, que concedia um estatuto especial às concubinas que gerassem filhos dos seus senhores. Segundo este sistema, estas mulheres não podiam ser vendidas e eram automaticamente libertadas após a morte dos seus senhores, enquanto os seus filhos gozavam de total igualdade jurídica com os nascidos de esposas livres.
Os textos jurídicos da época, especialmente os formulários notariais, vão além dos princípios teóricos para revelar a aplicação prática e complexa da lei relativa à escravatura: fornecem detalhes concretos sobre os direitos e limitações individuais, a mobilidade social, os papéis económicos e a complexa interação entre liberdade e servidão dentro das unidades familiares.
Os escravos, longe de serem um grupo monolítico, detinham diversos estatutos que podiam evoluir, levando a interações complexas e frequentemente limitadas com indivíduos livres dentro da esfera familiar.
A receita gerada pelo tráfico de escravos de Praga tornou-se um dos alicerces económicos do Estado Boémio e das redes de traficantes, fornecendo os fundos necessários para manter os exércitos necessários à expansão territorial e à consolidação política. Este padrão era comum entre os Estados recém-cristianizados da Europa de Leste, onde o tráfico de escravos proporcionava receitas estatais cruciais desde o início.
O declínio do tráfico de escravos de Praga começou no final do século X e início do século XI, coincidindo com a cristianização da Europa de Leste. À medida que as populações pagãs eslavas se convertiam ao cristianismo, deixaram de poder ser legitimamente escravizadas ao abrigo da lei cristã. Simultaneamente, a instabilidade política que afectou tanto o Califado de Córdoba como o Ducado da Boémia no início do século XI rompeu as relações comerciais estabelecidas.
Decorreriam outros quinhentos anos, mais ou menos, até um novo capítulo da história da escravatura ser escrito, entre África, o Atlântico e o Novo Mundo.
Através da lente da servidão e do direito, todas as sociedades humanas emergem num retrato inglório, quotidiano, e assustadoramente previsível.