Aproveitei a época natalícia para terminar um livro e começar a ler outro, e, embora o foco dos livros seja diferente, fizeram-me repensar o meu entendimento da palavra liberdade. Afinal, o que significa ser livre? Será uma estrada sem limites ou um caminho onde escolhemos as nossas próprias fronteiras? Enquanto estas ideias ecoavam na minha mente, percebi que recomeçar é, talvez, a expressão mais pura e desafiante da liberdade.
Se a vida fosse um algoritmo, certamente teria um sentido de humor bem peculiar. Ora acerta, ora falha, e deixa-nos a perguntar: "Mas como é que vim aqui parar?". A verdade é que, tal como os programas que tentam prever as nossas emoções com base em cliques e likes, nós também navegamos numa dádiva gloriosa e caótica chamada sentir. Recomeçar, nesse contexto, é um "patch" necessário, uma actualização essencial — não é uma opção.
Imagine um algoritmo que precisa de se adaptar após uma falha no sistema. Ele recolhe novos dados, reprocessa informações antigas e cria um novo código mais eficiente. Da mesma forma, recomeçar exige que revisitemos as nossas experiências, identifiquemos o que funcionou ou falhou e escolhamos conscientemente novos compromissos. Quando nos comprometemos com algo que realmente importa, abrimos mão de outras possibilidades. Isto pode parecer uma perda de liberdade, mas é precisamente o oposto: é uma forma de reconquistar o controlo sobre as nossas escolhas.
Considere, por exemplo, o fim de um relacionamento. Num primeiro momento, o caos emocional pode ser esmagador — como um sistema em colapso. As emoções flutuam, contradizem-se, e as memórias turvam a nossa percepção da realidade. No entanto, é neste terreno instável que surge a oportunidade para reconstruir. A liberdade, aqui, não está em evitar o sofrimento, mas em escolher comprometer-se com um novo sentido para a própria vida: redescobrir paixões esquecidas, estabelecer limites saudáveis.
Um exemplo que sinto de referir foi o episódio da terceira temporada deste podcast com Ana Sofia Martins.. Durante a conversa, Ana partilhou como, em momentos de transição, decidiu deixar para trás as marcas do passado e assumir o compromisso com a sua própria vida e escolhas. As suas palavras trouxeram-me um entendimento ainda mais profundo: recomeçar é um ato de coragem, mas também de intenção. É um momento para nos reconectarmos com o que realmente importa, reescrevendo a nossa narrativa com autenticidade.
Da mesma forma, um algoritmo emocional bem desenhado não ignora erros passados — utiliza-os para melhorar a sua performance. Ao permitirmo-nos refletir sobre as nossas escolhas, reconhecemos padrões tóxicos, aprendemos com o que nos causou dor e reorientamos o nosso foco para o que nos traz alegria e realização.
Outro ponto crucial é a ideia de flexibilidade. Os algoritmos emocionais são dinâmicos, adaptando-se constantemente a novas entradas. Recomeçar também exige essa elasticidade emocional. Quando uma decisão de vida nos empurra para o desconhecido, é natural sentir medo e incerteza. Contudo, a coragem de abraçar um novo compromisso — mesmo sem garantias — liberta-nos da paralisia das infinitas possibilidades.
Recomeçar é, paradoxalmente, um ato de liberdade e compromisso. Liberdade para deixar para trás o que já não nos serve. Compromisso com um futuro que escolhemos construir. Ao entendermos as nossas emoções como algoritmos que podem ser ajustados, percebemos que cada falha ou desafio traz dados valiosos. Estes não nos definem, mas preparam-nos para escolhas mais conscientes.
E assim termino este pensamento, regressando ao ponto de partida. Entre livros e reflexões, redescobri que liberdade não é apenas o ato de escolher, mas também o de assumir o que escolhemos com intenção. Recomeçar, afinal, não é um fim, mas um convite à liberdade de continuar a programar quem somos.