Entre um e outro programa de TV, acabo de ver um anúncio que, passe a publicidade, termina assim: “Quem dera que o Amor durasse tanto como um móvel Ikea”.
Apanho-me a escrutinar a mensagem, e dou por mim a estranhar a ideia de finitude do Amor associada a uma marca de mobiliário globalmente popularizada por combinar design inovador, preços competitivos, e uma elevada dose de descartabilidade.
Googlo a publicidade, e encontro o contexto: para assinalar o 20.º aniversário em Portugal, celebrado em 2024, a multinacional sueca saiu em busca da sua maior ‘antiguidade’ no país. “Recebemos milhares de histórias, mas também recebemos relatos sobre móveis que resistiram mais do que muitas relações”, partilhou a marca nas redes sociais, rematando: “E ainda dizem que os nossos móveis não duram muito...”.
Regresso à minha estranheza, fixada numa intuição: o Amor quando é Amor – e não carência, ilusão ou idealização disfarçadas de Amor – não acaba, transforma-se.
Parece-me é que, no que ao Amor romântico diz respeito – e à vida em geral, já agora –, poucos de nós treinamos o músculo que nos permite acomodar essa e outras transformações: a aceitação.
Queremos tudo e tanto o tempo todo e, nessa ânsia, acabamos enredados em projecções de vida que nos impelem a fazer, ter e acontecer, mas nos afastam de Ser.
Deixamos de amar quem temos do nosso lado, ou nem sequer chegamos a nos encontrar na relação que iniciámos, obcecados com os planos do que queremos ver e viver, e distraídos das pessoas e do casal que somos?
Sou uma militante do Amor, mas tenho muitas reservas em relação aos modos convencionados – e aprisionados – de o vivermos.
Já por aqui partilhei a minha crença na nossa natureza intrinsecamente não monogâmica, que vejo ser socialmente contrariada na exaltação do casamento – fechado a duas pessoas –, e amplamente contornada em teias de traições e rejeições conjugais.
Por mais que, na prática, desconfie da minha real disponibilidade para me enfiar numa relação aberta – efeito daquela clássica incompatibilidade entre hardware e software –, desconfio ainda mais da minha real disponibilidade para me entregar a uma relação em que o desejo de viver seja reprimido pelo medo de ver a ligação morrer.
Se os relacionamentos duram cada vez menos, ou menos do que os móveis Ikea, não creio que seja pelo fim do Amor, mas antes pela incapacidade de o libertarmos, libertando-nos.
Bem a pretexto, lembro-me das partilhas de uma amiga, recém-separada, e de uma conhecida que se apresenta como “irremediavelmente casada”.
De um lado, ouço o desabafo de um fim indesejado, porém acompanhado do reconhecimento de que nem sequer chegou a existir um começo. “Nunca o amei, mas sempre nos demos bem”, introduz, para logo de seguida relativizar: “O nosso namoro já durava desde a faculdade, eu queria ter filhos, sabia que ele seria um bom pai, e uma coisa levou à outra”.
Do outro lado, deparo-me, entre apresentações num evento de networking, com a subjugação total a um vínculo matrimonial, que parece “irremediavelmente” esvaziado de sentimentos. Também aqui, não sinto que a duração do Amor seja o problema, mas antes a sua substituição – consciente ou nem tanto – por um status de estabilidade conjugal, em que o património material e de herdeiros parece dispensar entusiasmos românticos e orgásticos.
Fazendo minha a campanha do Ikea, termino com uma tríade de desejos. Para começar, quem me dera que deixássemos de viver o Amor às prestações, como quem troca de mobílias. Depois, quem me dera também que parássemos de Amar com prazos para casar, comprar casa e engravidar. Por fim, quem me dera ainda que pudéssemos dar sempre tudo o que temos e somos, sem regatear, em vez nos entrincheirarmos na falsa sensação de segurança de umas juras ao altar. Porque, acredito, não há Amor se não tivermos plena Liberdade para Ser.