Antes que acabe
O que nos pesa diante do fim? Como enfrentamos a recta final de um relacionamento; o encerramento de um ciclo profissional; a partida de alguém que não queremos perder; a despedida indesejada de um país ou cidade; ou, nestes dias que correm demasiado velozes, o adeus a mais um ano?
Olho para os tantos desfechos que vivi e reparo numa constante: na iminência de um fim, divido-me entre a urgência de fazer o que fui adiando – e talvez até aí nunca tenha sequer considerado –, e a consciência paralisante de que me falta tempo e energia para o tanto que ficou por realizar.
Para o ano é que é! Esperancei muitas vezes sob esta prece das forças procrastinadas e procrastinadoras, até perceber que todos os instantes é que são. A felicidade está nos detalhes. Ou, como se lê à entrada do livro "Relacionamentos Amorosos", de Maria Gorjão Henriques – nossa convidada nesta quarta temporada – "a felicidade é uma escolha de cada momento, não um resultado".
Reconheço-me nesse pensamento e, mais do que isso, hoje cumpro-me na sua prática. Consistentemente.
Tenho a firme convicção de que não o conseguiria se não tivesse parado para sentir as escolhas que faço, questionando-me: até que ponto são mesmo minhas? Em que medida fui condicionada por julgamentos familiares e culturais, internalizados em culpas, vergonhas, inseguranças e medos vários, socialmente convencionados para nos manter a todos enredados num contínuo de sucessivos "para o ano é que é"?
Enquanto penso nisso, vem-me à lembrança a conversa com a Ana Sofia Martins, que encerrou a nossa terceira temporada. Voltei a escutá-la para a poder citar na sua verdade. Cá vai: “Tenho sentido que tenho o tempo limitado aqui. Ok, sou jovem, tenho 37 anos, mas não tenho 17. Então, quando é que vou começar a fazer as coisas que eu quero fazer? Quando é que me vou perguntar do que é que eu gosto?”.
Entretanto a Ana Sofia fez 38 anos, e sei, porque a vida nos ofereceu um encontro recente entre passadeiras de Lisboa, que continua em actualizações de vida.
“Talvez tenha a ver com o facto de me sentir mais mortal ultimamente”, confidenciou n’ O Tal Podcast, explicando que o caminho para si própria começou a traçar-se de forma consciente no início de 2024.
Ao deparar-se com a questão “do que é que eu gosto?”, e ao perceber que viveu “sempre um bocadinho em piloto automático”, a Ana Sofia teve a coragem de procurar as suas respostas.
“Permito-me perceber o que é que eu quero da vida, o que quero fazer, o que espero de mim”. O processo, por mais individual que seja, pede sempre abertura para começar de novo. “Comecei a experimentar coisas”, contou, exemplificando: “Comecei a ir para as aulas de cerâmica, gosto muito. Experimentei olaria, também gosto muito. Voltei a escrever, que é uma coisa que eu adoro”.
Por cada escolha por nós e para nós, acredito que resgatamos pedaços perdidos ou apenas esquecidos de quem somos.
Nesta saída de 2024, desejo que ao analisarmos os nossos balanços, as metas que traçamos para 2025, e os desejos que formulamos, sejamos capazes de questionar: onde nos encontramos?
Façamos uma pausa para sentir. E preparemo-nos para receber o novo – ano e tudo o que for – depois de fecharmos as contas do velho.
Caso contrário, desconfio que andaremos, início após recomeço, a arrastar o peso do que já não pode ser, mas gostaríamos muito que fosse.
E não há passas nem champanhe que nos libertem disso. Cabe a cada um de nós fazê-lo, num tempo que seja nosso, real, vivido, sem pressões de calendários que cumprimos, mas não sentimos.
Sejam felizes! Sejamos felizes nas escolhas que fazemos todos os dias. Eu continuo muito feliz aqui, a co-construir convosco esta nossa casa de afectos.
Boas entradas, e até 2025! Com Amor.