Foram os Americanos, previsivelmente, que inventaram os aparelhos e os sistemas necessários para os medir. Foram mais longe: inventaram até as próprias medidas.
Qualquer operação de comunicação contemporânea - uma rede, um canal, um podcast - existe rodeada de mecanismos circulares. O retorno da informação é eterno e os dados não dormem. O império da estatística é completo e expansionista, e comunicar electronicamente, de forma pública e deliberada, exige um contínuo exercício de imaginação do outro e do desconhecido.
O Tal Podcast não é excepção: se encontramos na rádio a matriz e o formato-mãe, é na internet que existimos de uma forma fundamental e inalterável. Estar na rede, planetária, é participar da escuta e da observação constante, do fluir dos números e do acender dos mapas. Perguntar quem está do outro lado é uma faca de dois gumes.
Na sua magnífica newsletter How To Measure Ghosts, Matt Locke descreve detalhadamente como a evolução dos mass media electrónicos inaugura uma certa era espectral da cultura humana - indiferente à presença física, divorciada do tempo linear, supostamente desatenta mas definitivamente descentralizada. Para quem ousa criar, o ambiente nunca foi tão promissor, nem tão hostil. A cultura electrónica em rede privilegia a autonomia e a soberania das audiências.
A revolta do público contra a passividade e a autoridade determinadas pela tecnologia do século passado é a notícia mais importante do ano, qualquer ano, daqui para a frente. Palavras como comunidade, ou influência, são na verdade abreviaturas simpáticas para o choque causado pela ligação à internet das várias sedes do poder clássico: do jornalismo à música, do cinema à literatura, entre a performance política e a febril caixa de comentários, a vigilância mútua e o acesso exclusivo.
Este desequilíbrio de forças é inédito, mas não é neutro nem estável.
Entre partilhas e contágios, o mundo revela-se em tempo real e converte-se numa sequência infinita de inputs codificados à espera de tradução simultânea. A invenção da audiência acontece antes do diálogo, da presença e da reciprocidade.
Falamos, portanto, com os olhos vendados, guiados por números que brilham no escuro. E no centro deste teatro, a pergunta permanece: a quem pertence a escuta? A quem pertence o silêncio?
Quando nos medimos, somos de repente audiência de nós mesmos.