Desarmar as Redes
Por algum tempo imaginei que o digital pudesse encurtar distâncias humanas.
O que aconteceria se, diante de um insulto, devolvêssemos um elogio, encerrado com votos de maiores felicidades? Ou se, em vez de carregarmos na buzina, entre desaguisados de trânsito, optássemos por sorrir para os outros condutores? Que ambiente teríamos se travássemos o impulso de reagir aos discursos de ódio que se propagam nas redes sociais?
Descontados os eventuais olhares de estranheza que nos seriam lançados, desconfio que ao optarmos por uma reacção não-bélica estaríamos, num primeiro momento, a surpreender o agressor, deixando-o sem novas munições e, num momento seguinte, acabaríamos mesmo por desarmar todo o seu “aparato” de guerra.
Mais do que teorizar sobre esta possibilidade, tenho procurado fazer dela prática, sobretudo no terreno minado em que – sob a nossa complacência – as redes sociais se foram transformando.
Lembro-me, por exemplo, que, nos primórdios do Facebook, antes do Instagram e Twitter (agora X), acreditava que, apesar das discordâncias de opinião e pensamento, havia ali espaço para um democrático entendimento.
Aliás, como alguém que vê nas diferenças oportunidades de aprendizagem, crescimento e amadurecimento, por algum tempo imaginei que o digital pudesse encurtar distâncias humanas.
Por isso, entrei esperançosa no jogo das interacções virtuais, e, confiante, fui respondendo a cada reacção, comentário ou mensagem.
Recordo-me de como, em poucos minutos, as publicações desbloqueavam contactos e criavam redes de solidariedade; as partilhas de quotidiano inspiravam outras partilhas mundanas; os vídeos cutxi-cutxi, dominados por gatos mais e menos fofinhos, animavam estados de espírito; e de como reservávamos para o espaço das mensagens privadas comentários de leitura mais “sensível”.
Havia, pelo menos no meu círculo de proximidade, respeito e urbanidade. Talvez por isso nunca me tenha inibido de interagir com quem quer que seja a partir das caixas de comentários.
Foi assim durante anos, até que, um pouco antes da pandemia, o lado profundamente tóxico das redes sociais se tornou avassalador, afastando-me de interacções para além do território das minhas publicações e criações.
Confesso que ainda levei algum tempo a chegar ao lugar em que me encontro agora, porque raramente conseguia resistir à tentação de responder e demonstrar a “minha razão” – sobretudo sempre que estavam em causa Direitos Humanos.
Mas hoje estou completamente rendida à abordagem desarmamentista, que implemento em resposta às mensagens que recebo em privado – faço questão de o fazer, porque questionam o que defendo, e não o meu direito a fazê-lo.
E é neste domínio, de contacto directo com quem me lê e ouve, que observo o poder de esvaziar a discórdia. Na semana passada tive mais uma oportunidade de o fazer.
Diante de um ‘lençol de texto’ sobre o pretenso disparate da manifestação “Não nos Encostem à Parede”, e após uns longos segundos de reflexão – “partilho ou não partilho o meu posicionamento, rebato ou não rebato esta argumentação? –, decidi escrever apenas: “Um excelente 2025 para si. Abraços!”.
Do outro lado, a pessoa que me lançava uma série de perguntas, e disparava certezas carregadas de pontos de exclamação, ficou sem espaço para retroalimentar tanta indignação e contestação. Do meu lado, poupei tempo e energia, e – a avaliar por experiências anteriores –, também me protegi de uma boa dose de frustração e irritação. Pacificamente desarmadas.