Francisco Borges, o ‘devorador de livros’ difícil de digerir
Conhecer a história do Francisco deveria não apenas gerar entusiamo, mas alegrar-nos e inspirar-nos
Preciso de recuar até 24 de Outubro de 2021 para, sustentada por registos fotográficos e posts facebookianos, encontrar o momento em que nos conhecemos.
Ainda vivíamos as incertezas dos primeiros tempos pós-pandemia mas, finalmente, começava a ter espaço para promover o meu primeiro livro infanto-juvenil, até aí socialmente confinado.
Foi nesse contexto que fui parar ao Festival Passa a Palavra, em Oeiras, onde, assim que cheguei, a excepcionalidade de um miúdo que adora ler, veio parar-me aos ouvidos. “Tens de o conhecer. Anda por aí com a mãe”, entusiasmava-se a R., rendida ao interesse que, minutos antes, a criança demonstrava pela catrefada de livros que, apelativamente, estavam dispostos sobre a sua banca.
Conversa vai, conversa vem, e ainda sem vislumbre do pequeno leitor, a hora de apresentar o meu livro aproximava-se e, com ela, a sempre ingrata tarefa de assediar pessoas para se juntarem.
“Vou chamar o miúdo”, anunciou a R., enquanto uma audiência exclusivamente adulta se ia fixando.
Na altura com 9 anos, ainda ‘instalados de fresco’, o Francisco chegou acompanhado da mãe, e, de caras, o seu apetite por livros sobressaiu. Lembro-me, por exemplo, de o ver entusiasmado com as páginas que levava na mochila, para mais tarde desembrulhar em casa.
A minha “Força Africana” juntou-se a essa bagagem, mas, antes disso, expliquei ao Francisco que escrevi essa aventura porque sempre sonhei encontrar personagens com a minha cor de pele. Sem demora, e visivelmente contagiado pelo poder de contar histórias, o Francisco contou-me que também andava a magicar uma.
Trocámos e mantivemos contactos, e, no ano seguinte, o meu segundo livro infantil – “A Charada da Bicharada” – levou-me à Feira do Livro, e ofereceu-me mais uma leitura dedicada do Francisco.
Para terem uma ideia, enquanto eu actualizava novidades com a mãe, ele ajeitou-se a um canto e avançou na leitura.
“Já? Como assim, já leste?”, quis saber, antes de o ouvir resumir, sem pingo de hesitação, o essencial da história.
Passaram mais uns meses, 2023 seguia avançado para o último trimestre, quando outra novidade literária nos aproximou, desta vez com a assinatura do Francisco, rebaptizado “devorador de livros” nas redes sociais.
É por aqui que partilha a enorme paixão pelos livros, e as novidades do seu dia-a-dia, onde se inclui a lesão que o tem afastado da prática desportiva, e, mais recentemente, a passagem pelo O Tal Podcast.
Esta presença online é gerida pela mãe, e facilmente se percebe que a leitura o acompanha desde sempre.
Aliás, ainda não tinha 3 anos e já estava munido do seu cartão de leitor da Biblioteca Municipal de Oeiras. Deveria ser o suficiente para nos entusiasmar a todos. Mas não.
Num mundo onde a perda de hábitos de leitura é gritante – minando a capacidade de interpretação, e gerando escolhas que degradam as nossas democracias –; e onde reconhecemos que é necessário combater a dependência dos mais novos dos ecrãs, conhecer a história do Francisco deveria não apenas gerar entusiamo, mas alegrar-nos e inspirar-nos.
Desde logo porque o Francisco tem 12 anos, não tem telemóvel, e costuma ler 10 livros por semana. Aliás, recentemente, por ter fracturado a tíbia e o perónio, conseguiu ler 10 livros num único dia!
Um feito que muitos só conseguem ver como defeito.
Seja por não ser possível ler tantos livros em tão pouco tempo, seja porque deveria brincar mais, seja porque o gosto pela leitura não se mede pelo número de livros que se lê, seja porque a quantidade indicia falta de qualidade e incapacidade de interpretação, seja apenas por existir, sobre o Francisco recai sempre o prejuízo da dúvida, nunca o benefício.
E isso, é tão difícil de digerir, que “devorar livros” até parece fácil. Mas não é. Por isso, enquanto uns tentam apagar o mérito do Francisco, nós continuaremos a escrever a sua história, e a subir mais alto para o elevar. As vezes que foram necessárias.