Fernando Cabral
“Eu estava num armazém com os discos todos, com vedetas de reggae a entrar lá todos os dias. Foi o início de tudo para mim”.
Filho de Luís Cabral, primeiro Presidente da República da Guiné-Bissau, e sobrinho de Amílcar Cabral, o histórico líder do PAIGC, Fernando Cabral encontrou nas raízes musicais da Jamaica um lugar de autodeterminação.
“Quando as pessoas perguntam porque é que tens uma ligação forte com o reggae, eu digo: porque é uma música revolucionária, e eu tenho sangue revolucionário”.
Desde os 25 anos profissionalmente lançado na indústria musical, Fernando percebeu, a partir de um estágio na VP Recordas, apontada como a maior editora mundial de reggae, que poderia fazer carreira entre sonoridades jamaicanas.
A experiência, vivida em Nova Iorque, foi acompanhada de uma rotina especial: “Ia para Jamaica todos os dias”, recorda o programador musical e produtor de eventos, situando a conversa na estação de metro de Jamaica, em Queens, sede da editora.
“Eu estava num armazém com os discos todos, com vedetas de reggae a entrar lá todos os dias. Foi o início de tudo para mim”.
O circuito de espetáculos, festas “e tudo à grande” teve como reverso da medalha uma cambalhota de excessos, interrompida com a chegada da pandemia.
“O Covid foi a minha salvação, porque parou o meu trabalho”, conta Fernando, assumindo, sem tabus, todas as escolhas: “Não tenho problemas em dizer: tive problemas de adição, e fiz um tratamento”.
A mudança aconteceu aos 44 anos, marcados por várias lições. “Gostava de ter entrado em sobriedade mais cedo, mas aprendi muito e tive uma vida espetacular. Agora é olhar para a frente”.
Pai de Marley e de Makeda, nomes escolhidos como homenagens ao ícone do reggae e à rainha de Sabá, Fernando sublinha a importância de honrar a herança Cabralista . “O legado que tenho na minha vida é de que não há impossíveis. Tudo o que eu quero, vou atrás”.
Depois de lançar, com um amigo, a marca de roupa VIP – Very Important Preto, o programador musical quer expandir a ideia a um projeto de intervenção social, e de libertação das mentes.
“O povo africano e o povo negro levou com tantos anos de ‘não prestas, és abaixo de nós’ que, de alguma forma, isso entrou na cabeça das pessoas”.
Empenhado em transformar essa realidade, Fernando quer lançar um programa de formação de jovens, que abra novos caminhos de afirmação e valorização da negritude, já inaugurados com as t-shirts, hoodies e bonés da sua marca.
“Raramente o preto é muito importante. O patinho feio é preto, o gato que dá azar é preto, tudo que é preto é mau. Então, pensei: por que não fazer uma cena que exaltasse [o preto]?”.
A resposta veste-se com um apelo original, sem nunca despir ninguém. “A minha marca chama-se Very Important Preto. Podia ser Very Important Branco, Very Important Chinês, Very Important qualquer um. Todos somos pessoas incríveis e muito importantes”.