Novo episódio: Joana Gorjão Henriques
“Todos os dias faço uma desaprendizagem dos meus preconceitos”
Humanista da parte de pai e mãe, Joana Gorjão Henriques partilha, no episódio desta semana, como o património de valores familiares se tornou um ativo para a vida.
“O meu pai tinha uma relação muito próxima com Cabo Verde, porque foi cooperante depois do 25 de Abril. A minha mãe era educadora de infância, e especializou-se em meninos com necessidades especiais”, conta, recordando algumas experiências que a marcaram.
O pai, por exemplo, regressou da temporada cabo-verdiana com um novo hábito: “Fazia uma coisa que nunca mais me esqueci, que era parar nas paragens do autocarro a perguntar às pessoas se queriam boleia, porque tinha lugar no carro”.
Já a mãe, acrescenta, “fazia trabalho na escola pública”, e tinha o cuidado de mostrar aos filhos “outras vidas”, humanizando-as.
Não estranha, por isso, que a jornalista encontre na educação que recebeu as raízes para um compromisso que se tornou central nas suas escolhas: a defesa da Justiça.
“Quando alguma coisa não está bem, vou por aí afora para tentar corrigir aquilo que acho que são injustiças”, assinala Joana, distinguida em 2018 com a medalha de ouro comemorativa do 50.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Assembleia da República.
O reconhecimento profissional – pela publicação de várias reportagens “sobre o tema do racismo e da discriminação” e, em particular, pela série “Racismo à Portuguesa” – tem marcado a trajetória de Joana, que, no entanto, afasta excecionalismos.
“Não acho que seja especial, ou que tenha alguma coisa extraordinária, o facto de alguém vir de um meio privilegiado e fazer o tipo de trabalho que faço”.
A especialização, revela nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, tornou-se incontornável a partir de dois anos de período sabático, em que foi bolseira da Nieman Foundation for Journalism, na Universidade de Harvard.
“Estudar Sociologia nos EUA deu-me uma perspectiva completamente diferente das questões raciais”, nota, explicando que a experiência americana lhe permitiu “olhar para as questões da discriminação de uma maneira estrutural”.
No regresso a Portugal, precedido ainda de uma temporada em Inglaterra para estudos em “Sociologia da Raça”, a jornalista sentiu necessidade de perceber melhor a realidade afrodescendente no país.
“Especializei-me [na denúncia do racismo] no sentido de começar a reportar ciclicamente e com consistência, um problema da sociedade portuguesa que ficava um bocadinho nos cantos”.
O trabalho vai ao encontro de uma velha e longa prática profissional: “Há uma tradição jornalística de denunciar situações de injustiça e discriminação”, lembra Joana, sem esquecer os desafios.
“Nós, jornais e media, temos muita responsabilidade em não ter posto bastantes travões [ao discurso de ódio], em alturas que era absolutamente necessário fazê-lo”
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