A dança, aprimorada no Balé Folclórico da Bahia, carimbou-lhe o passaporte para vários países, mas é entre o Brasil de nascimento e a África de múltiplos pertencimentos que encontra o seu palco principal, hoje construído entre o movimento e a música.
Nascida na Bahia, Nara Couto tornou-se conhecida como bailarina e backing vocal de artistas como Gilberto Gil, Margareth Menezes, Ivete Sangalo e Daniela Mercury, antes de, em 2017, soltar a voz em nome próprio.
A estreia aconteceu com o lançamento do single “Linda e Preta”, elevado, no Brasil, a hino de celebração da beleza feminina negra.
“Sempre me senti bonita”, aponta a artista nesta conversa, reconhecendo, contudo, que, enquanto crescia, não era isso que o mundo espelhava.
“A estética apresentada é sempre branca, como um modelo único”, sublinha, cada vez mais consciente da importância de quebrar padrões universais.
“O entendimento da beleza negra é uma construção que vamos fazendo, desconstruindo a história que foi contada”.
Nesse processo de reconstrução, o tema “Retinta”, que dá nome ao seu primeiro álbum, de 2022, apresenta-se como uma exaltação não apenas da beleza, mas da própria existência.
“No Brasil estamos sempre em busca de voltar para casa, mesmo quando não sabemos que casa é essa”, aponta, sem nunca perder de vista as ligações africanas, aprofundadas com o projeto musical “Outras Áfricas”, e também com o candomblé.
Iniciada nessa religião de matriz africana há nove anos, Nara vê na sua prática uma forma de preservar uma cultura que se estabeleceu no Brasil, a partir da “junção de povos e etnias” que chegaram ao país escravizados.
“Mudou a minha vida”, assume sem hesitar, e já a planear a próxima etapa. “Estou a estudar para ser sacerdotisa, e no momento auspicioso assumirei esse posto”.
Até lá, vive a arte e a música como um “sacerdócio”, em que reverencia quem veio antes.
“Sempre canto composições de artistas por quem eu tenho uma grande admiração”, nota, incluindo Sara Tavares na galeria das suas referências.
“Estar em Portugal mexe muito comigo, lembrar que ela não está mais entre nós fisicamente, e não vamos ouvir novas composições é difícil”, admite Nara, que, nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, revela que as perdas da pandemia não ficaram para trás.
“Talvez nunca me recupere, porque, por mais espiritualizados que nós sejamos, somos humanos. É difícil quando alguém muito próximo parte”.
O processo, partilha a artista, constrói-se com Amor, que descreve como um “ato revolucionário”.