Há dias que nos lembram porque fazemos o que fazemos. A passagem de Lázaro Ramos por Portugal foi um desses dias luminosos. Na Livraria Menina e Moça, em Lisboa, o ator, escritor e pensador brasileiro trouxe consigo não apenas livros infantis, mas um sopro de esperança — uma energia de afecto e de presença que encheu o espaço de vida. O lançamento dos seus livros tornou-se mais do que uma apresentação: foi um encontro de gerações, de sotaques e de preocupações partilhadas. Entre crianças curiosas — uma delas sentou-se ao meu lado —, educadores atentos e leitores, reforcei a convicção de que o verdadeiro poder das histórias está em permitir que todas as crianças se vejam nelas.
Conversar com o menino de 8 anos que tive o privilégio de ter ao meu lado foi um dos momentos mais inspiradores da tarde: trocámos ideias e admirei o seu espírito crítico — fruto de pais atentos e conscientes do mundo em que está a crescer.
Entre muitas coisas, o Lázaro falou sobre a importância de nos vermos e de sermos vistos. Essa frase tocou num ponto essencial — não porque fosse novidade, mas porque reafirma uma verdade que carrego comigo: a representatividade não é um extra, é uma urgência.
Nos livros infantis, as personagens que ocupam as páginas moldam a forma como as crianças entendem o mundo e o seu lugar nele. Quando uma criança negra, uma criança migrante, uma criança com deficiência ou uma criança que vive fora do padrão dominante se vê retratada com amor, coragem e humor, algo se acende: um sentido de pertença, uma validação silenciosa, mas profunda.
E foi impossível não pensar em como os espaços educativos e culturais — escolas, bibliotecas, livrarias — podem e devem ser lugares de pluralidade. São territórios onde o olhar se forma, onde se aprende a ouvir o outro e onde se descobre que o mundo é maior do que o espelho de um só rosto. Quando esses espaços acolhem a diversidade das vozes e das existências, transformam-se em verdadeiros laboratórios de justiça, respeito e empatia.
Porque a representatividade que se aprende nos livros e nos espaços culturais é a mesma que, mais tarde, se pratica na vida pública.
Naquela tarde na Menina e Moça, o ambiente era de festa e de escuta. Havia alegria, mas também consciência. Lázaro não representava: encarnava o que dizia.
E talvez seja isso que mais me tocou — ver alguém cuja vida e obra caminham lado a lado, sem intervalo entre o que se é e o que se oferece. Foi bonito testemunhar essa coerência entre palavra e presença.
O encontro naquele espaço lembrou-me que a representatividade não é apenas um conceito, mas uma prática que se constrói todos os dias. Cada livro, cada voz ouvida e cada gesto de inclusão prepara o terreno para uma sociedade mais justa, onde as crianças aprendem desde cedo que o seu lugar no mundo importa e que a diferença é um valor, e não uma barreira.