Quando a disponibilidade abre caminhos
Não se trata de heroísmo. Nem de boa vontade performativa. Trata-se de presença.
Esta semana fiquei a pensar no peso de um “sim”. Não um “sim” fácil ou automático, mas aquele que chega inesperadamente. Talvez porque, tantas vezes, o “não” foi a única resposta conhecida.
Há respostas que não resolvem tudo, mas alteram o campo. Um simples “sim”, quando não é esperado, pode mudar a perceção do possível, reposicionar relações, quebrar uma lógica antiga de distância entre “quem pode” e “quem não chega”. Não transforma o mundo de imediato, mas desloca o lugar a partir do qual ele é vivido.
Recentemente, fui convidada a estar presente num encontro comunitário. Quando confirmei a minha presença, um jovem envolvido no processo confessou que não acreditava que eu fosse responder. Acredito que não por desconfiança pessoal, mas por hábito. Pelo acumular de experiências em que as portas não se abrem. Por uma ideia silenciosa de inacessibilidade que se instala com o tempo e se torna quase naturalizada. Esse comentário ficou comigo. E aceitei, exatamente, por isso.
Porque sei o que significa crescer a achar que certas pessoas não respondem.
Porque muitas de nós conhecem bem o peso simbólico do silêncio.
E porque continuo a acreditar que a disponibilidade real de quem tem alguma visibilidade, alguma margem de escolha e algum espaço público pode abrir caminhos que, à partida, parecem fechados.
Não se trata de heroísmo. Nem de boa vontade performativa. Trata-se de presença. E presença implica tempo, atenção e responsabilidade. Implica aceitar que estar disponível não é neutro: cria vínculos, convoca expectativas e exige coerência entre discurso e prática.
Ao escrever estas linhas, veio-me à memória o filme A Corrente do Bem. Talvez não tanto pelo enredo, mas pela ideia simples e radical que propunha — a de que um gesto consciente pode gerar outros gestos, criando um movimento que não controlamos, mas pelo qual somos responsáveis. Na altura, pareceu-me ingénuo. Hoje, parece-me essencial.
Porque estar disponível dá trabalho. Porque responder implica compromisso. Porque aparecer obriga a sustentar a relação para lá do momento inicial.
No encontro que se aproxima, a expectativa é o cruzamento de expressões artísticas, ritmos, palavra, memória coletiva e projeção de futuro. A minha intenção é estar ali não para ensinar, nem para ocupar o centro, mas para escutar. Para conectar histórias, reconhecer percursos, legitimar perguntas e sustentar dúvidas. Para estar inteira e estar com.
Falo muitas vezes de representação, de acesso, de pertença, de beleza e de possibilidade. Mas estas conversas só fazem sentido se forem acompanhadas por práticas coerentes, quotidianas e verificáveis. Caso contrário, é apenas uma linguagem bonita, desligada da experiência concreta das pessoas.
Talvez seja isso que mais me interessa hoje: mostrar — especialmente aos mais novos — que é possível aceder, dialogar, convidar, chamar. Que é legítimo tentar. Que perguntar não é fraqueza. E que, às vezes, tudo começa com alguém que ousa perguntar… e com alguém que escolhe responder.
Talvez não seja uma “corrente do bem”. Talvez seja apenas responsabilidade em movimento. Uma ética do “sim” quando o “não” já foi ouvido várias vezes.



