Ao refletir sobre o conteúdo desta newsletter, percebi que só poderia escrever sobre os últimos dias na Ilha de Santiago, em Cabo Verde, onde participei na Conferência Internacional Workplace Wellbeing, organizada por Dilara Spencer, uma mulher caboverdiana residente em Inglaterra, comprometida com o bem-estar e a saúde mental no trabalho.
Estar neste evento trouxe-me uma profunda sensação de pertença, algo que sinto sempre que estou em Cabo Verde, mesmo que as visitas não sejam tão frequentes quanto gostaria. Estar em solo caboverdiano é reencontrar uma parte de mim, uma conexão com as raízes que me acolhe sem precisar de explicações. Essa ligação é essencial para o nosso bem-estar e equilíbrio emocional, algo que, às vezes, só redescobrimos ao regressar às nossas origens.
Para mim, Cabo Verde representa um regresso a essências profundas. Sinto-me em casa, sem ter que explicar as minhas características físicas ou a herança que se reflete no meu tom de pele. Embora faça parte da diáspora, ao conversar com outros caboverdianos que cresceram fora, partilhámos a mesma sensação de reencontro e autenticidade. Conheci pessoas que nasceram e cresceram na Holanda, Suécia, Brasil e que, conscientemente, escolheram estabelecer-se em Cabo Verde, atraídas pela serenidade e pelo acolhimento.
Este reencontro leva-me a refletir sobre o ciclo de emigração e retorno. Tal como os meus pais, muitos jovens saem em busca de oportunidades na Europa ou em outros países. No entanto, a vida no exterior traz desafios profundos — económicos, pessoais e espirituais. Muitos caboverdianos, especialmente aqueles que emigram sozinhos ou sem uma rede de apoio, sentem a pressão de corresponder às expectativas e “congelam” as suas emoções para suportar as dificuldades da distância e da adaptação.
Durante a conferência, conheci pessoas com visões distintas, mas unidas pelo desejo de bem-estar e felicidade. Em qualquer parte do mundo, todos procuramos o mesmo: amar e ser amados. Como diria Bell Hooks, o amor é uma prática de liberdade. Basta olhar para as notícias para perceber a urgência do amor, do autocuidado e da empatia. A saúde mental e o verdadeiro bem-estar passam por nos sentirmos compreendidos e apoiados — e isso começa no pertencimento.
Estar em Cabo Verde, especialmente na Ilha de Santiago, é ainda mais especial neste ano, pois em janeiro de 2023 completaram-se 50 anos do assassinato de Amílcar Cabral. Um líder visionário e intelectual, Cabral lutou por uma África digna e consciente de si mesma. Ele sonhava com um Cabo Verde e uma Guiné-Bissau livres, onde todos pudessem viver com dignidade e orgulho.
Visitar o campo de concentração do Tarrafal foi um momento de tristeza e gratidão, ao lembrar-me daqueles que, tal como Cabral, lutaram pela dignidade dos seus povos. Passados 51 anos, questiono-me sobre como o legado de Cabral continua nos desafios de hoje. Cabral acreditava que o processo de descolonização não termina enquanto a pobreza e a desigualdade afastarem os jovens e os empurrarem para fora do país. O seu sonho era um Cabo Verde onde cada cidadão pudesse prosperar e contribuir para o desenvolvimento da nação, enraizado no valor da sua cultura e na dignidade de cada pessoa. Ainda hoje, ao vivermos entre partidas e regressos, entre memórias e reencontros, sentimos a força dessas raízes. É através delas que encontramos o nosso lugar, mesmo em meio aos desafios.
Como diria Sobonfu Somé: "Sem comunidade, não somos ninguém." Que isso nos lembre que o verdadeiro bem-estar e a saúde mental começam no sentimento de pertença.