No fim do século passado, nas grandes estações de comboio em Lisboa, era possível consultar as rotas detalhadas e os horários previstos de todos os movimentos ferroviários. Enormes folhas A2 impressas e plastificadas - algumas encadernadas em ainda maiores fólios de metal e vidro - expunham a qualquer um, a qualquer hora, a lógica e a programação da rede de transportes nacional e peninsular. Antes da internet, o planeamento de uma viagem de médio ou longo curso era uma curiosa articulação de visitas e telefonemas, conversas de bilheteira, e a inevitável consulta das imponentes folhas de serviço.
O ímpeto da digitalização é animado por uma tripla aliança entre a conveniência, a simplicidade e a rapidez. O bom desenho de qualquer recurso online implica esta consideração. Reservar um bilhete, uma mesa, uma sessão ou uma encomenda, deverá ser um acto fluido e descomplicado - legível e acessível. O que a internet permite - pela primeira vez na história humana - é a condensação de uma nébula de informação e de recursos dispersos num fluxo eficiente e ordeiro de respostas, de aplicações, de decisões e de compras.
Apenas agora, passado um quarto deste novo século, começamos a perceber alguns dos efeitos de segundo grau desta marcha vitoriosa da eficiência. O desaparecimento da desordem e da lentidão é uma das consequências inevitáveis: o que é tocado pelo digital tende a perder não só a desconjuntura exasperante do passado, mas também uma certa granularidade e liberdade nas escolhas que apenas os sistemas analógicos e desintegrados permitem.
Esta é uma lei universal.
Ilustrações breves da última semana: OpenAI lança o muito esperado modelo GPT 5 e elimina a possibilidade dos utilizadores escolherem as versões antigas do seu mais famoso chatbot; várias plataformas de jogos online retiram centenas de títulos com conteúdos sexuais explícitos mas legais; Gana planeia o licenciamento oficial de criptomoedas a partir de Setembro 2025.
Da inteligência à sexualidade e ao dinheiro, a velocidade da integração é estonteante. A actual colonização da vida quotidiana pelo digital prima, a um tempo, pela surpresa e por um padrão altamente previsível. Para quem se interessa por tais futuros, o aviso é claro.
Existe nas entrelinhas de tudo um mundo em desaparição. Os portais e os túneis de acesso são progressivamente mais difíceis de encontrar, mas reservam a quem de esforço um acolhimento necessário na tempestade dos próximos anos.
É nesse lento esconderijo que podemos planear, de novo, um século improvável e colectivo.