Utopia: Ainda Vale a Pena?
Essas sementes podem parecer invisíveis hoje, mas fazem a diferença.
No segundo evento ao vivo d’O Tal Podcast, episódio que em breve estará disponível, a certa altura a Selma Uamusse partilhou connosco que estava a ler o livro Utopia para Realistas. Assim que ouvi o título, não resisti a apontar. A utopia, para mim, sempre foi motor de ação, ajudando-me a avançar para além do que parecia possível. Fui logo procurar saber mais.
Este livro, de Rutger Bregman, propõe ideias que podem soar impossíveis à primeira vista: rendimento básico incondicional, redução radical do horário de trabalho, abertura de fronteiras. Ideias que muitas pessoas considerariam ingénuas, mas que, ao serem pensadas e debatidas, se transformam em motores de mudança. Utopia para Realistas não nos convida a viver num mundo de fantasia, mas a projetar horizontes melhores e a acreditar que é possível, passo a passo, aproximarmo-nos deles.
Numa altura em que o cenário local e mundial nos incute tanto medo e desesperança — guerras, desigualdades, alterações climáticas, discursos de ódio — falar de utopia pode parecer quase provocatório. E, por isso mesmo, talvez seja ainda mais necessário.
A distopia faz parte do nosso imaginário coletivo: basta ligar as notícias ou percorrer as redes sociais para sermos bombardeados com previsões sombrias e narrativas de ruína. É claro que não podemos ignorar os problemas reais que existem e exigem ação firme. Mas a distopia, quando se torna a única lente para olhar o futuro, paralisa-nos. Gera medo, cinismo, apatia. Faz-nos desistir antes mesmo de tentar.
Veio-me à memória uma das palestras a que assisti em 2024, da Monika Bielskyte, futurista e investigadora que tem vindo a desafiar precisamente esta dualidade.
Monika propõe que não fiquemos presos entre utopias impossíveis e distopias assustadoras, mas que procuremos antes o caminho da protopia: um futuro em constante evolução, feito de melhorias progressivas e concretas, sem a ilusão da perfeição nem a resignação ao pessimismo.
Imaginar não basta, claro. Precisamos de agir. E às vezes podemos sentir que as nossas ações são demasiado pequenas para enfrentar problemas tão grandes. Mas não subestimemos o poder das pequenas escolhas diárias. Pequenos gestos, somados e partilhados, transformam mentalidades, inspiram outros, mudam culturas. Quando promoves conversas construtivas na tua comunidade, quando defendes respeito e empatia no teu local de trabalho, quando apoias iniciativas que promovem o bem comum, quando dás espaço para ouvir alguém que pensa diferente — por mais desafiante que esse exercício possa ser — estás a plantar sementes de futuro. E talvez seja justamente aqui que a ideia de protopia faça ainda mais sentido: cada passo, por mais pequeno que pareça, pode ser parte de uma transformação constante, onde melhoramos juntos sem exigir a perfeição.
Essas sementes podem parecer invisíveis hoje, mas fazem a diferença. É assim que as mudanças ganham força: de ação em ação, de pessoa em pessoa, criando redes de cuidado e solidariedade. Não precisamos de esperar por soluções perfeitas vindas de cima — podemos construir pequenos pedaços de futuro todos os dias, aqui e agora.
Talvez seja precisamente em tempos difíceis que valha a pena proteger algum espaço para pensar possibilidades, por mínimas que sejam. Nem sempre isso muda o mundo de imediato, mas pode ajudar a não ceder ao conformismo. Pequenos gestos, ainda que imperfeitos e quase invisíveis, podem somar-se e criar outra realidade, pouco a pouco.