Deixar fluir as emoções, em vez fugir para não sentir
É assim que, entre compromissos, prazos e novos projectos, deixamos cair o ritmo da sedução.
“Preciso de falar contigo. É muito importante”, pedem-me de um lado, enquanto do outro se desculpam pela pressão, mas não se inibem de cobrar uma “resposta rápida”, que facilmente se torna “urgente”. Pouco importa que seja fim-de-semana, ou que o dia já tenha avançado para a noite, os pedidos sucedem-se, indiferentes a calendários e horários.
Alguns começam mesmo por “já deves estar a descansar, mas...”, e não falta mesmo quem, tendo sido alertado para uma indisponibilidade, insista no contacto: “Sei que estás de férias, por isso, antes que me esqueça...”.
Por detrás de cada abordagem, numa frente de mensagens de trabalho enviadas por WhatsApp, e-mail, e também pelas redes sociais, percebo um misto de ansiedade com desespero.
Nos casos mais extremos, há quem multiplique o contacto por todos os canais de comunicação que tem ao dispor, numa espécie de cerco de emergência, revelador das catástrofes competitivas que assolam as sociedades ditas modernas.
Temos tanta pressa de fazer e acontecer, que apressamos o conhecer, sem perceber que estamos a entorpecer, não apenas as interacções profissionais, mas também as nossas relações pessoais.
É assim que, entre compromissos, prazos e novos projectos, deixamos cair o ritmo da sedução. Vemos logo que “não vai dar em nada”, avançamos com interrogatórios que não deixam espaço para a descoberta, e, como não temos tempo a perder, confundimos diferenças com divergências, e tomamos a presença nas redes sociais como o pináculo de cada existência humana. Tão escrutinável quanto descartável ao fim de um scroll de ‘classificação’, que nos esvazia a curiosidade.
Os avisos de contraindicação destes ‘despachanços’ não nos faltam, como aquele que nos deixou a Aua Baldé, na presente temporada d’ O Tal Podcast.
“Se nos agarrarmos a uma checklist, o amor da nossa vida vai-nos passar ao lado”, lembrou, neste episódio, a professora universitária, partilhando a importância de se ter deixado surpreender pelo homem que se tornou seu marido e pai da sua filha.
Mas, quantos de nós investem tempo em conhecer outras pessoas, para além de um rápido swipe fotográfico? Quando foi a última vez que nos demorámos com alguém? E connosco? Conseguimos ver beleza no nosso quotidiano? Ainda fazemos perguntas, ou limitamo-nos a seguir as respostas dos outros?
Como se não bastasse comportarmo-nos quais produtos indiferenciados de uma máquina capitalista insaciável – que nos vende uma ilusão de progressão material a troco de concessões desumanas –, vemo-nos transformados, no que aos relacionamentos diz respeito, em conteúdos de consumo rápido.
Confesso que me faltam várias actualizações desta grande aplicação em que se movem as relações pós-redes sociais, mas retenho a mesma incompatibilidade que manifesto sobre as “urgências” laborais – o profundo desfasamento em relação ao ritmo humano.
Há quem lhe chame conservadorismo, e talvez seja, mas, agarrando numa conversa recente entre amigas, pergunto: quando é que pessoas que se relacionam como namoradas, escolhem passar tempo como namoradas, partilham afinidades e intimidades como namoradas, são tudo menos namoradas?
Como alguém que defende diversas formas de amar e de estar em relação – tão diversas e múltiplas quanto os seres humanos podem ser –, não compreendo o entendimento de que reconhecer um compromisso que já existe equivale a assumir um compromisso maior.
Entendo que por mais privados e reservados que sejam os relacionamentos, há uma linha bem demarcada entre deixar fluir sem reprimir emoções, e fugir para não sentir. Como escolhemos viver?



