Novo episódio: Maria e Mariana Gil (parte 2)
“Não represento ninguém. Apresento-me, e isso pode servir de representatividade, que são coisas diferentes”.
Maria e Mariana Gil, mãe e filha, são as convidadas deste episódio de ‘O Tal Podcast’, para ouvir em duas partes. No final da primeira metade da conversa, estávamos prestes a conhecer uma das histórias que marcam um contínuo de embates étnico-raciais vividos pela família na escola, ponto de partida para a segunda parte deste episódio, conduzido por Georgina Angélica e Paula Cardoso.
“Os gémeos estavam na pré-escola e pediram-nos: tragam algo para a festa de Natal, que tenha a ver com o lugar de onde vêm. Eu disse: nós moramos aqui ao lado, nascemos aqui”, conta a mãe de António, Salvador, Vicente e Mariana, lembrando que, nessa como noutras ocasiões, fez questão de sublinhar que a sua família não se limita a estar aqui, porque ela é daqui.
Como se não bastasse ser relegada à condição de estrangeira no próprio país, Maria ainda teve de suportar a ostracização da sua herança cultural, ao propor levar um doce cigano, típico de Natal.
“Alguém da escola diz: não faça isso aos seus filhos. Já viu que são tão giros, tão loirinhos. Assim, toda a gente fica a saber que são ciganos”.
A circunstância de ter de se “moldar a uma clandestinidade, para ter acesso ao que é legítimo”, conforme referiu na primeira parte desta conversa, não a protege, contudo, do anticiganismo nem do racismo, algo que refere na segunda metade deste episódio de ‘O Tal Podcast’.
“O nosso lazer é uma afrontação para o geral, é criminalizado. Eu, enquanto corpo cigano, ou corpo racializado, sentada numa esplanada, não estou a fazer mais nada a não ser viver à custa dos outros”.
Entre a hipervisibilização que condena, e a invisibilização que exclui, Mariana matura o olhar: “A resistência foi-me imposta. Eu nasci para existir e obrigaram-me a resistir”.
Na sequência do que tinha referido na primeira parte deste episódio, quando mencionou que o ativismo se tornou incontornável na sua história, a estudante de Ciências da Comunicação partilha a importância de trazer leveza a esse quotidiano de combatividade.
“Falei sobre apropriação cultural na televisão, e agora só estou nesse lugar de militância, de luta, e tudo o que me desvie disso é frivolidade ou futilidade”, assinala, recordando a passagem pelo concurso Cabelo Pantene.
“Tinha plena consciência de que também era o meu espaço”, recorda, enquanto insiste na força do amor-próprio. “No infantário diziam: és feia, e eu: ok, fica com a tua opinião. Nem toda a gente cresce com essa autoestima”.
Apesar de reconhecer o efeito da representatividade nessa equação, a jovem faz questão de se libertar de narrativas de excecionalidade. “Gosto quando as pessoas se inspiram naquilo que digo. Não gosto quando dizem: Mariana, tu vais salvar-nos, porque não posso salvar ninguém sem também ser salva”.
Determinada a encontrar o seu caminho de leveza e de descanso, onde inclui expetativas de uma vida política e financeiramente estável, a estudante é perentória: “Não represento ninguém. Apresento-me, e isso pode servir de representatividade, que são coisas diferentes”.
Os planos da filha cruzam-se com os desejos da mãe. “Uma das grandes aspirações que tenho para a Mariana é ela poder acordar sem ter de se preocupar: ‘Será que vou vestir já a capa de ‘super guerreira, super heroína’? Simplesmente o poder da escolha”.
Por agora, a estudante lembra que o direito de escolher continua longe de ser universal. “Quando não se vem de uma classe endinheirada, temos de pensar: vou para a faculdade, isso significa adiar talvez três anos de trabalho, mas se escolher bem o curso, será que me dá dinheiro logo?”.




