Vinte anos depois, reconheço
Nesse espaço frágil entre o desejo profundo de ajudar e a aceitação de que nem sempre temos respostas, mas podemos estar.
A conversa com o Bruno Furtado fez-me recuar mais de vinte anos no tempo. Fez-me voltar a um lugar muito particular da minha história — um tempo que ainda vive em mim.
Voltei aos dias em que trabalhava como técnica de intervenção local das turmas PIEF (Programa Integrado de Educação e Formação). Um tempo exigente e muito intenso. Um tempo que me trouxe aprendizagens que nenhuma formação formal teria conseguido oferecer.
Quando regressei da experiência na Índia, uma experiência curta, mas muito transformadora, trazia comigo uma realidade radicalmente diferente daquela a que estava habituada até então. Uma realidade que me desmontou certezas, que me obrigou a olhar para o mundo — e para mim — com outros olhos. Para abraçar essa experiência, decidi sair de uma empresa de formação onde trabalhava. Sentia, sem grande margem para dúvida, que havia algo mais significativo a ser feito. Não sabia exactamente o quê. Mas sabia que não estava onde devia estar.
Sentia um vazio enorme. Uma espécie de desenraizamento. Estava perdida, sem saber que caminho seguir a nível profissional; tinha muitas perguntas e poucas respostas. Hoje consigo ver que aquele vazio não era ausência — era espaço. Um espaço desconfortável, sem contornos definidos, mas fértil.
E, como tantas vezes acontece, a vida encarregou-se de intervir. Para quem acredita em coincidências, foi apenas isso. Para mim, foi um encontro no momento certo. Cruzei-me com alguém que me falou das turmas PIEF. Ouvi, fiz perguntas e, assim que percebi do que se tratava, senti um clique imediato. Candidatei-me a uma vaga numa escola no Barreiro. Sem certezas. Sem garantias. Sem saber se tinha todas as competências necessárias ou sequer se seria selecionada. Candidatei-me mesmo assim. E fui.
Foi aí que começou uma das jornadas mais transformadoras da minha vida — a nível pessoal e profissional. E, sem me ter apercebido na altura, essa experiência estava já a iniciar um caminho profundamente ligado à intervenção social e à educação, um fio condutor que viria a atravessar tudo o que fiz depois, mesmo quando os contextos mudaram.
Conversar com o Bruno fez-me regressar, em particular, aos alunos. Àqueles alunos que tantas vezes me faziam sentir uma profunda angústia por não conseguir ajudar como gostaria. Lembro-me da impotência, da frustração, do nó no estômago ao perceber que, por mais entrega que houvesse, havia histórias e contextos que ultrapassavam qualquer ferramenta que eu tivesse naquele momento. Lembro-me também de como essa angústia me obrigou a olhar para dentro, a questionar o meu lugar, os meus limites e o verdadeiro significado de “intervir”.
Hoje, à distância de mais de vinte anos, consigo ver com mais clareza. Vejo que aquele “não saber”, aquela sensação constante de insuficiência, era também um enorme convite à escuta, à humildade e à presença. E percebo que muito daquilo que me faz desenvolver a marca Educar com Amor e Consciência, muito do meu trabalho enquanto educadora, formadora e consultora, nasceu ali — nesse espaço frágil entre o desejo profundo de ajudar e a aceitação de que nem sempre temos respostas, mas podemos estar.
Talvez seja isso que esta conversa me tenha devolvido com tanta nitidez: a importância de não abandonar o lugar, mesmo quando ele é difícil. A importância de sustentar a presença quando tudo em nós pede soluções rápidas. E a certeza de que, muitas vezes, o gesto mais transformador é permanecer disponível, inteiro e humano.



